Alfabetização
e Letramento, da teoria a prática
Karina Thetinski Rodrigues e Márcia de Oliveira Soares
Na área da alfabetização, grandes avanços aconteceram nos últimos anos.
Pesquisas e teorias de Jean Piaget, Emília Ferreiro, Vigostsky, Paulo Freire e
outros foram de extrema relevância e significado. Estas teorias muito
contribuíram para a pratica pedagógica, principalmente para a alfabetização,
cuja prática, há dezenas de anos não se alterava. Em meio a tantos anseios,
dúvidas e questionamentos que acompanham o processo de alfabetização e
percebemos que muitos educadores ainda vêem a alfabetização como um processo
estanque as demais séries, desenvolvendo um trabalho voltado para a prática sem
um embasamento teórico conciso e resumindo a alfabetização num simples ato de
decodificação de símbolos onde se utilizam de uma metodologia única para todos,
esperando que a criança tenha o estalo para se alfabetizar é que buscamos
elaborar técnicas e atividades que auxiliassem não apenas o processo de
aquisição de linguagem e escrita, mas que também dessem sentido a ele,
proporcionando assim, o letramento. Portanto, refletir sobre o processo de
alfabetização é percorrer um mundo de magia e encantamento o qual ainda tem
muito para ser descoberto. É ter consciência de que a alfabetização não é
decodificar símbolos pelo simples fato e sim dar compreensão e posicionamento do
que vê, lê e vive. Enfim, como afirma Paulo Freire “ser alfabetizado... é estar
presente e ativo na reivindicação da própria voz, da própria história e do
próprio futuro”. (FREIRE & MACEDO, 1990:11)Sendo o processo de
alfabetização e letramento um acontecimento que pode ser estendido ao longo de
nossas vidas, o presente artigo, pretende explorar apenas a alfabetização de
crianças.
A HISTÓRIA DA ALFABETIZAÇÃO: Os sistemas de escrita estabelecidos na história dos povos nunca foram
privilégio de ninguém. De acordo com fatos comprovados historicamente, a
escrita surgiu do sistema de contagem feito com marcas, provavelmente para
contar o gado.Nessa época de escrita primitiva, ser alfabetizado significava
saber ler o que aqueles símbolos significavam e ser capaz de escrevê-los.
Assim, com a expansão do sistema de escrita, a quantidade de informações
necessárias para quem soubesse ler e escrever aumentou consideravelmente, o que
obrigou as pessoas à usarem cada vez mais símbolos que representassem sons da
fala, como por exemplo, as sílabas.Na antigüidade, os alunos alfabetizavam-se
aprendendo a ler algo já escrito e depois copiando. Começavam por palavras,
depois por textos famosos até que começavam a escrever seus textos próprios. O
segredo da alfabetização era a leitura e a cópia. Dessa forma, pode-se perceber
que a má compreensão da alfabetização é tão verdadeira para o passado quanto
para o presente. GRAFF (1994:27) afirma que: “a alfabetização... é
profundamente mal entendida” o que possibilita a nós, perceber que esta
construção equivocada de significados vem se arrastando ao longo dos anos.
ALFABETIZANDO COM SUCESSO: Sabe-se, que a leitura e a escrita são instrumentos
básicos para o ingresso e participação na sociedade letrada em que vivemos. São
ferramentas para compreensão e realização da comunicação do homem na sociedade
e chave para a apropriação dos saberes já conquistados. Por meio da
alfabetização, o homem se torna um ser global, simbólico, social, enfim, um
cidadão inserido na sociedade.Assim, pode-se concordar com CÓCCO e HAILER
(1996:9) quando afirmam que: “Saber ler e escrever é condição necessária Desta
forma, aprender a ler e a escrever é apropriar-se do código lingüístico, é
tornar-se um usuário da leitura e da escrita. Uma aprendizagem mecânica do ler
e escrever, que não se apoie sobre idéias e conhecimentos adquiridos pela
criança sobre a língua escrita, que não venha acompanhada de uma real compreensão dos usos e funções da
linguagem, que não esteja sustentada em um interesse comum, em comunicar e
compreender, é totalmente inútil a participação na sociedade letrada em que
vivemos. É pré-requisito para a cidadania”. Pode-se perceber a partir do trecho
acima que a alfabetização vai muito além do decifrado. A alfabetização é um
processo de aprendizagem conceitual onde o sujeito emprega a sua lógica sobre a
língua escrita para poder aprendê-la e entender o seu significado.FERREIRO
(1986) ainda afirma que: “Ler não é decifrar, escrever não é copiar”. A escrita
da criança não resulta de uma simples cópia de um modelo, mas é um processo de
construção, onde reinventam a escrita, no sentido de compreender seus processos
de construção e suas normas de produção.Ler e escrever são, de um lado,
processos que envolvem o relacionamento entre símbolos escritos e unidades
sonoras; mas, por outro, também são processos de construção de interpretação de
textos escritos (leitura) e de expressão de idéias e de organização de
pensamento (escrita). Portanto, ler e escrever o seu próprio nome ou um simples
bilhete, ou até mesmo, ler apenas para decifrar o que está escrito é muito
pouco para uma sociedade letrada como a nossa. O cidadão que sabe ler é aquele
que consegue dar sentido ao material a que tem acesso. É ler o mundo o tempo
todo. Enfim, estar alfabetizado é dar compreensão e posicionamento crítico do
material e da realidade vivida, sendo este, o conceito de letramento.
No contexto escolar ainda é muito comum encontrarmos professores que ao
perguntarmos como ocorre a aprendizagem da língua escrita respondem: “A criança
vai juntando as sílabas e formando as palavras, de repente dá na criança um
estalo e ela passa a ler e a escrever”. Na verdade, vemos que o que acontece
não é nenhum sobrenatural e muito menos um estalo. Os estudos de Emilia
Ferreiro e outros pesquisadores contribuíram para a prática pedagógica testando
e organizando as concepções da criança sobre a linguagem, mostrando em seus
estudos que a alfabetização é um longo processo, em que o aprendiz observa,
estabelece relações, organiza, interioriza conceitos, reelabora, até chegar ao
código alfabético.
Assim, da mesma forma em que todo o ser humano passa pela infância, adolescência até chegar a vida adulta, a criança para construir e reconstruir o código lingüístico apresenta fases ou níveis de desenvolvimento para a construção do pensamento em relação à linguagem escrita.
Assim, da mesma forma em que todo o ser humano passa pela infância, adolescência até chegar a vida adulta, a criança para construir e reconstruir o código lingüístico apresenta fases ou níveis de desenvolvimento para a construção do pensamento em relação à linguagem escrita.
Nível pré-silábico: A escrita é concebida como um desenho. Lê em
gravuras, fotos e outros. Dividindo-se em duas fases:Fase pictórica: fase
caracterizada pelas garatujas, desenhos sem e com figuração.Fase gráfica
primitiva: são registros, símbolos e pseudoletras, onde letras e números são
misturados. Nesta fase a criança questiona muito o adulto sobre as coisas que
vê no meio que a cerca.Fase pré-silábica: nesta fase propriamente dita a
criança já difere as letras dos números, desenho e símbolos e já reconhece o
papel das letras na escrita.
Nível silábico:Nesta fase surge a tentativa de dar um valor sonoro a cada uma das
letras que compõe uma escrita. É um período de maior importância evolutiva,
pois é o surgimento do que Emilia Ferreiro denominou “hipótese silábica”, em
que cada letra vale por uma sílaba. A hipótese silábica pode aparecer com
sinais distantes das letras do alfabeto ou aplicar-se a letras sem que se lhes
atribua valores sonoros estáveis. Mas ainda nesse período, as letras começam a
adquirir valores sonoros (silábicos) com certa estabilidade, estabelecendo-se
uma correspondência com o eixo qualitativo: as partes sonoras semelhantes entre
as palavras começam a se exprimir por letras semelhantes, o que também é fonte
de conflito para a criança quando, por exemplo, produz uma mesma escrita (AO) para
palavras diferentes tais como pato e gato.O conflito entre as hipóteses
internas – silábica e de quantidade – é resolvido “acrescentando” um numero
maior de grafias que as previstas. Assim, as palavras dissílabas que deveriam
ser escritas com duas letras passam a ter três, para atender a hipótese de
quantidade mínima, mas conflita com o fato de uma das letras não ter uma
emissão possível.O nível silábico caracteriza-se, portanto, pelos aspectos que
se seguem: Ao descobrir a silaba na fala (e não escrita) a criança sabe que a
escrita vincula-se à pronúncia das partes da palavra (hipótese de que a silaba
oral corresponde a uma letra);Tem dificuldade para escrever monossílabos e
dissílabos por entrar em conflito com a exigência da quantidade mínima de
letras;Na escrita de palavras tem a preocupação de não repetir letras;Quando
silábico convicto, usa para cada som que emite, uma letra. Não há sobras; Pode
ou não conhecer o valor sonoro convencional das letras e saber utilizá-las;Pode
misturar letra com número na escrita de palavras, apesar de diferenciá-las;Lê
apontando para cada letra;Leitura silábica;
Nível silábico-alfabético :A criança ensaia diversas soluções de
compromisso sem conseguir absorver as perturbações que surgem e o abandono da
hipótese silábica torna-se necessário. Apenas buscando uma divisão que vá além
da sílaba, isto é, procedendo a uma divisão da sílaba em sons menores, é
possível à criança superar o conflito.Porém, isso não acontece de imediato.
Durante este período ocorrem grandes oscilações entre escrita silábica e alfabética,
dando lugar a leituras e escritas que geralmente começam silabicamente e
terminam alfabeticamente.As principais características dessa fase de transição
entre o silábico e o alfabético são: A criança pode acrescentar mais letras em
uma palavra para representar o som de uma sílaba; Pode ou não usar o valor
sonoro convencional; Começa a fazer sílabas completas nas palavras com mais
freqüência quando estas palavras estão em um contexto; Começa a fazer a relação
grafema/fonema; Ainda não descobriu a relação existente entre consoante e
vogal, ou seja, que a vogal muda o som da consoante; Em relação à leitura, é
uma fase de grande conflito para a criança que pode ainda ler globalmente.
Nível alfabético:A escrita alfabética constitui o final desta evolução. Ao chegar a este
nível a criança já compreendeu que cada um dos caracteres da escrita
corresponde a valores sonoros menores que a sílaba, e realiza sistematicamente
uma análise sonora dos fonemas das palavras que vai escrever.Descobre que não
basta uma letra por sílaba e que também não se pode estabelecer nenhuma
regularidade duplicando a quantidade de letras por sílaba (já que há sílabas
que se escrevem com uma, duas, três ou mais letras).Tudo isso, não significa
que todas as dificuldades tenham sido superadas, pois a partir desse momento, a
criança terá de se haver com as questões ortográficas (pelo lado qualitativo),
uma vez que a identidade de som não garante a identidade de letras, nem a
identidade de letra, a de som.A criança finalmente já percebe a estrutura e o
funcionamento do sistema de escrita porque apropriou-se desse conhecimento
através de sua re-construção.
É possível afirmar que o processo de alfabetização inicia quando ainda
somos bebês, quando escutamos uma cantiga, quando ouvimos a voz carinhosa
daqueles que nos afagam, quando manuseamos um livro, quando, finalmente,
começamos a ver o mundo a fazer interpretações do espaço e das pessoas ao nosso
redor.Não é nenhum problema dar início a alfabetização formal ainda na educação
infantil, basta que este processo seja privilegiado através do lúdico e de
atividades coerentes a cada faixa etária. Atividades mimeografadas ou xerocadas
para pintar ou colar sem nenhuma outra finalidade, trabalhar letras soltas e
desconexas, com a intenção de ler só por ler, contribuem pouco ou nada para este
processo. A criança nesta fase, ainda é um ser inseguro e delicado e seu mundo
é egocêntrico e fantasioso. As particularidades desse desenvolvimento devem ser
respeitadas e não devemos querer que este aprendizado acontecesse antes que ele
realmente seja possível. Isso, não significa que a criança não deva ter contato
com o mundo da escrita e da leitura, até pelo contrário, deve-se propiciar a
criança o maior acesso possível a livros, revistas e jornais, possibilitando o
manuseio destes diferentes tipos de materiais.
Uma das maiores dúvidas quando se fala em alfabetização, é sobre o papel
do erro neste processo. O que fazer? Como lidar com tentativas frustradas de
escritas? Corrigir ou aceitar?Partindo do princípio de que o erro é um processo
de construção, que a criança só erra porque busca o acerto, devemos ter em
mente que ele é fator fundamental no processo de aprendizado. Se a criança
copia por copiar, cometerá erros referentes à falta de atenção, por não
identificar uma ou outra letra, mas quando o erro é fruto da construção
espontânea, onde mais do que codificar ou decodificar um símbolo, é o
entendimento e a expressão de uma idéia o que se busca, o erro acontecerá com
mais freqüência. Devemos, então, observar em primeiro plano, o nível de
aquisição da escrita em que a criança se encontra, pois cada nível possui suas
particularidades e erros comuns a esta etapa. A correção é importante, cada vez
que a criança repete o erro, pois o considerando como as opções certas estão
permitindo que a realização deste exercício motor, reforce a escrita incorreta
no processo mental. Logo, é natural a criança reproduzir na escrita espontânea,
aquilo que escuta quando fala (Kasa para casa), no entanto, reforçar este
modelo, não contribuirá para a escrita correta. A melhor alternativa, seja em
qual for a etapa em que a criança se encontra, é criar um conflito, para que
ela elabore novas hipóteses para a escrita da mesma palavra.Na escrita
espontânea, a criança por si, se dá conta de que há um erro, com isso, busca
freqüentemente o auxílio do educador para mostrar o que escreveu. Quando damos
um elogio para um erro, além de reforçar a escrita incorreta, corremos o risco
de cair no descrédito, pois a criança se dá conta que não é preciso escrever da
forma correta e, logo, deixará de buscar o auxílio do educador. Há várias
formas de fazer uma intervenção, seja com questionamentos ou apenas mostrando a
criança como se escreve. Ter em sala alfabeto móvel e outras formas de
visualização deste recurso, favorece a observação e a comparação da produção
espontânea, com a forma correta de escrever. . Por isso, nesta fase de
alfabetização, os exercícios que favorecem noções topológicas, desenvolvem a
motricidade e a lateralidade, colaboram tanto para a escrita correta de
palavras.
Conclui-se então, que observando uma criança vemos que ela aprende a engatinhar, a andar, a correr por si mesma, nunca por meio de lições verbais dos adultos, mas muito através da necessidade e da imitação. A vida da criança é uma sucessão de experiências de aprendizagem adquirida por ela mesma, quando tem a oportunidade de interação. Ao chegar à escola, ela traz consigo infinitas experiências e conhecimentos acumulados, conquistados por meio de exploração visual, auditiva, jogos, brincadeiras, conversas, passeios, contatos, brinquedos, que influenciarão no processo de aprendizagem.
No processo de aprendizagem da leitura e da escrita, a criança defronta-se com um mundo cheio de atrações (letras, palavras, frases, textos) e se engajará neste mundo muito mais facilmente se puder participar integralmente dele e se o processo for transformado num grande ato lúdico (participativo, inteligente, prazeroso), em oposição ao ato técnico (estático, repetitivo, mecânico) muito próprio das escolas. Portanto, podemos perceber a necessidade de se relacionar o processo de alfabetização com o lúdico, na forma de jogos e brincadeiras, que despertam o interesse e arrebatam a atenção das crianças, tornando este processo recheado de significado.
Conclui-se então, que observando uma criança vemos que ela aprende a engatinhar, a andar, a correr por si mesma, nunca por meio de lições verbais dos adultos, mas muito através da necessidade e da imitação. A vida da criança é uma sucessão de experiências de aprendizagem adquirida por ela mesma, quando tem a oportunidade de interação. Ao chegar à escola, ela traz consigo infinitas experiências e conhecimentos acumulados, conquistados por meio de exploração visual, auditiva, jogos, brincadeiras, conversas, passeios, contatos, brinquedos, que influenciarão no processo de aprendizagem.
No processo de aprendizagem da leitura e da escrita, a criança defronta-se com um mundo cheio de atrações (letras, palavras, frases, textos) e se engajará neste mundo muito mais facilmente se puder participar integralmente dele e se o processo for transformado num grande ato lúdico (participativo, inteligente, prazeroso), em oposição ao ato técnico (estático, repetitivo, mecânico) muito próprio das escolas. Portanto, podemos perceber a necessidade de se relacionar o processo de alfabetização com o lúdico, na forma de jogos e brincadeiras, que despertam o interesse e arrebatam a atenção das crianças, tornando este processo recheado de significado.
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